Há cerca de trinta anos que existe um alfarrabista perto da minha casa. E assim como gosto de visitar livrarias e ver se há algum título que me chame a atenção mais gosto ainda de entrar nos alfarrabistas e ver se descubro obras que já deveria ter lido e ainda não li.
Abro um parêntesis. Tive um professor de filosofia que um dia me dizia a meio da aula “Mais tarde ou mais cedo, todos nós temos de ler As Confissões de Santo Agostinho” e eu pensei “Todos nós?”.
Fiquei com a ideia de que As Confissões era um livro a procurar urgentemente antes que me acontecesse alguma e eu fosse para o outro mundo sem ler tal preciosidade.
Mas voltando à conversa do alfarrabista que existe perto da minha casa há cerca de trinta anos…
A particularidade deste alfarrabista é que ao longo das três décadas da sua existência deve ter aberto as portas ao público apenas uma, em dias alternados, e nunca mais de dois seguidos. De modo que, apanhar a loja aberta é uma espécie de sorte grande pelo que o melhor será sempre andar com dinheiro no bolso.
Os livros estão sempre no mesmo sítio e já se encontram com as capas debotadas pelo sol. Sei exactamente o lugar que ocupam de tanto observar a montra e quais comprar quando apanhar a porta aberta. Se a apanhar.
Um desses livros é O retrato de Dorian Gray de Óscar Wilde. Gosto deste autor pelas verdades dele fazerem “plim”com as minhas. (como esta: o meu problema não é ser velho. é ter sido jovem). Curiosamente nunca li nada dele.
Tento descobrir mais títulos, nomeadamente, As confissões. Leio alguns títulos com a cabeça inclinada sobre o ombro direito. Inclino a cabeça para o lado contrário, lendo outros títulos que estão de pernas para o ar. Ah! E maravilha das maravilhas! Descubro As Mitologias de Roland Barthes.
Lembrei-me novamente do professor. A meio de uma aula pedi esclarecimentos sobre uma questão. E ele, pessoa sábia, completamente rendido à minha expressão de tão pura ignorância, perdoada, somente, por uma sede de saber enorme, poupa-me a uma humilhação vitalícia, evitando a pergunta directa ( Nunca leu …..?) pela pergunta subtil (Há quanto tempo não lê As Mitologias de Barthes?).
Mentalmente, somei mais uma obra à lista das futuras leituras. Resta-me apanhar a porta aberta.
Leonoreta
Também não li.Tenho lido muito pouco porque o tempo parece que se esgota. Era bom que o dia tivesse 48 horas para poder fazer aquilo que gosto.Boas leituras cara amiga.Bjs
agostinho, se nos dias ha coisas boas e más. se o dia durar o dobro...será o dobro de coisas boas mas tambem más. La Palisse? provável.
abraço
De CARPE DIEM a 20 de Julho de 2007 às 15:13
esperto que o alfarrabista abra as portas para pelo menos comprares o "retrato de dorian gray " que conheço e gosto, a maldade que envelhece no retrato. dele oscar wilde uma frase sempre retive:" tenho gostos muito simples, o melhor chega-me perfeitamente"
jorge, é mais uma para eu saber. abraço
De Lusitana a 20 de Julho de 2007 às 16:18
Também nunca li nada desses autores... visto por talvez ser uma "aluna de ciências" ... Mas confesso que filosofia me atrai ( sempre saquei um 19 à professora
) e por isso li a saga de um pensador do dr. augusto cury. Achei um livro especial.
bjnho *
aluna de ciencias... tambem gosto, tambem gosto.de fisica sobretudo mas tomara eu entende-la.
beijinhos
De
A.S. a 20 de Julho de 2007 às 19:32
Querida Leonor,
Acabadinho de chegar de uns dias de férias, venho deliciar-me com o talento dos teus textos sempre tão oportunos...
Um abraço...
De Anónimo a 22 de Julho de 2007 às 20:29
olá Al... bem vindo.
De almapater a 21 de Julho de 2007 às 07:59
O lugar do alfarrabista, no edifício da relação com a vida, (sei-o hoje), é uma representação de portas fechadas. Como quem capta o tempo, no amarelecer necessário das capas das histórias incontornáveis. Talvez os 50 anos passados, sejam o tempo da percepção, de que realmente, estamos perante um processo conotativo, (como quem vive) e a abordagem denotativa, seja tão só, um perfume que se esvai no ar...
Afinal, e como cantou uma vida o Sinatra...I’ve got you, under mi skin...
fantastico almapater. eu ainda nao tinha ensado nisso: na representaçao das portas fechadas e na captação do tempo nas folhas amarelas dos livros. é uma interpretação mais do que excelente.
abraço
De almapater a 23 de Julho de 2007 às 00:23
quando R. Barthes escreveu as Mitologias, não tinha vc ainda nascido. Faz agora, uns 50 anos (esses referidos) que ele o fez. E como em Camões, a arte e o engenho, vão apunhalando a implacável lei da morte. A eternidade (mesmo pequena) ganha-se com a sobrevivência, na batalha do tempo. OU como diz o Stº Agostinho de que vc fala, "se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro e, se agora nada existisse, não teríamos tempo presente". in Confissões)
De
António a 21 de Julho de 2007 às 10:04
Querida Leonor!
Um texto escrito ao teu melhor estilo: uma memória de vida confessada com aquele sentido de humor subtil de que tanto gosto.
Acho que qualquer dia aparece um papel a cheirar a lavado na montra dizendo:
"Passa-se por falecimento do proprietário".
Achas que hoje acordei muito tétrico?
Hummm...olha que o homem não deve ser imortal!
Beijinhos
não. nao acordaste tétrico. a vida é assim mesmo. pelo menos é o que dizem por ai. um dia o senhor... meu deus. e se calhar ja foi... agor afazendo as contas...
abraço
De
António a 22 de Julho de 2007 às 22:12
Já foi?
Então assalta o alfarrabista!
ah ah ah
Beijinhos
De
alexiaa a 22 de Julho de 2007 às 20:20
Moderniza o alfarrabista, escreve a encomenda num papelito e reclama o NIB dele:))).
O texto tem várias nuances que deliberadamente não desenvolveste. Particularmente gostei da citação que achei nostalgicamente irónica!
De livros pouco sei, enceto vários mas por motivos que não são relevantes para aqui nunca os acabo!
Fica bem!
alexia, tens razão. afinal, isto so de reclamar sem apresentar alternativas.
achas então que ha nuances que nao foram desenvolvidas...
sabes que eu gostava de ter uma loja onde se "tertuliasse?" ias la beber café e depois conversava-se.
beijinhos
De
alexiaa a 22 de Julho de 2007 às 21:21
Quando o alfarrabista trespassar a loja...podes sempre ficar com ela para essa ideia que acho carregadinha de potencial:)
De qualquer forma temo ser para ti uma conversa...pouco estimulante!
Beijinhos:)
De
mixtu a 22 de Julho de 2007 às 23:36
já há tanto tempo que não vou a um alfarrobista...
e tenho mais cousas para ler...
excelente texto, como sempre, prof.
abrazo europeo
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