Sábado, 30 de Junho de 2007
Aconteceu mais uma vez. Pela trigésima sexta vez aconteceu outra vez. Juro que não sei como acontece e amedronta-me pensar quantas mais vezes poderá acontecer. É uma sensação horrível de abandono que eu não desejo a ninguém. Fico revoltada comigo mesma. Odeio-me. Felizmente nunca entro em pânico. Acontecer-me logo a mim! A mim que tenho um sítio para cada coisa e cada coisa nunca sai desse sítio.
Penso naquela forma do tempo, Kronos malvado, que passa impiedosamente por mim, no seu tic tac, sem querer saber. Lentamente, o meu estado de desespero conduz-me a outro estado, o da resignação. É Kayros que toma conta de mim agora. Perdi a noção da passagem do outro tempo, e vivo o momento presente que se estende por horas. Saltei para a criatividade do meu íntimo e sou alma.
Busco palavras para músicas, para contos, para perguntas como esta por exemplo:
- Porque deixo ficar as chaves em casa?
Leonoreta
Sábado, 23 de Junho de 2007
Ambos partilhavam todos os seus momentos livres com o computador navegando na Internet.
E um dia, marcado pelo destino – propósito da Previdência desconhecido por ambos – cruzaram-se numa troca de mails.
A escrita dela revelava-a doce, meiga. Ele era sedutor na mensagem. Logo a empatia emergiu entre os dois. Geraram palavras de brotar sentimentos camuflados nas suas vidas rotineiras.
Noutro dia – já marcado por eles, propósito desconhecido da Previdência - saltaram para o lado de fora do écran, escolhendo um sítio conveniente para ambos onde o aroma do café se misturava com fumo de cigarro.
Ele sorrira e ela viu-lhe os dentes já um pouco gastos pelos anos. Ela retribuiu-lhe o sorriso, permitindo que ele percebesse as rugas ao canto da boca que já não eram rugas de expressão. Quando ele tirou os óculos, os mesmos que ela vira na foto, estremeceu com os seus olhos grandes, demasiado afastados que lhe ofereciam algumas semelhanças com um sapo. A pele ligeiramente flácida do pescoço dela complementavam a mesma idade dos sulcos dos cantos da boca.
No principio o acabrunhamento habitual provocado pelos fluidos passados no instante que não se controla (ah, o quotidiano da palavra escrita não é o mesmo da palavra falada). A primeira - a palavra - é pensada, manipuladora. A segunda, perde-se trocada pela sua espontaneidade No dia a dia não se diz o que se queria dizer mas quando se diz, a partir do momento em que se diz, está dito.
Olá
Olá.
Tudo bem?
Tudo bem.
Risos….e a conversa que não vinha. Ambos olharam para o relógio ao mesmo tempo.
Não te disse nada mas surgiu-me um imprevisto mesmo há pouco. A minha tia caiu da escada. A minha mãe pediu-me para lhe fazer umas compras. – disse ela.
Ele fingiu um certo transtorno mas no fundo as palavras dela surgiram-lhe como um alívio de tempo contrariado.
Mais dez minutos para não parecer mal. Pensaram os dois. Sempre tinham algumas afinidades. Disseram adeus, seguindo caminhos opostos.
A palavra escrita de um para o outro tinha acabado. Voltaram a matar o tempo da solidão atrás da máquina de fazer palavras, de inventar sentimentos, navegando calmamente nas imagens virtuais da net.
da Leonor
Quinta-feira, 7 de Junho de 2007
Os meus pais moram no campo. Sítio húmido no Inverno e solarengo no Verão, onde uma vegetação aleatória e rebelde de flores amarelas e algumas vermelhas cobre um terreno baldio enorme. Eucaliptos dominam o reino das árvores existente.
- Que flores são aquelas? – pergunta a Ana.
- Quais? As vermelhas? Para mim, flores vermelhas no campo são sempre papoilas. – respondi.
Mas não eram papoilas.
Hoje o espaço aéreo estava repleto de pássaros que voavam em despique de árvore em árvore e alguns a pique a rasarem o chão em brincadeiras de Primavera.
- Que pássaros são aqueles? – pergunta a Ana.
- Quais? Aqueles pequenitos? Para mim, os pássaros no campo são todos pardais. – respondi.
Mas não eram pardais.
leonoreta
Domingo, 3 de Junho de 2007
Quando ela chegou ele já lá estava. Fingiu que não o viu.
- Olá.- disse ele.
Ela virou a cabeça na sua direcção. Fingiu surpresa
- Olá. – disse ela.
Andaram pelas tábuas de madeira até ao cimo da duna até avistarem o mar. Dia frio de Inverno, de céu azul limpo de nuvens. Os raios de sol animavam a tarde.
- Não é formidável estar aqui a ver o mar? – perguntou ele
- É. – respondeu ela
A espuma das ondas enrolavam na areia. Lembrou-se da canção.
- Tiveste saudades?- perguntou ele
- Faz um ano. Já não me lembrava de nada.
- Eu lembrava-me de tudo.
Também ela. Mas fingiu não se lembrar.
da Leonoreta