. Tenho rezado todos os dia...
Sempre vi o trabalho como uma acção dignificante da pessoa humana e. por isso, trabalhar nunca me assustou. Porém, pessoas mais prevenidas do que eu e que gostavam de mim, alertaram-me para as diferentes categorias que o trabalho pode ter.
Assim, temos o trabalho, o emprego e a sinecura.
No primeiro, trabalha-se muito e recebe-se pouco. No segundo, trabalha-se o normal e recebe-se o normal. No último, trabalha-se pouco e recebe-se muito.
Arregalei os olhos quanto aos aspectos sedutores de uma sinecura mas avisaram-me logo com o indicador em riste encostado ao meu nariz.
- Minha querida, isso não e para ti. É só para ministros.
- Mas eu posso vir a ser ministro…- disse eu esboçando um sorriso tímido mas confiante.
- Porquê? Conheces gente importante? – o dedo continuava cada vez mais ameaçador junto ao meu nariz, obrigando-me a inclinar a cabeça para trás.
Não conhecia e risquei a sinecura dos meus intentos.
Ora bem, gosto de trabalhar sim senhor mas não partilho propriamente da ideia de Adam Smith, o grande teórico da economia capitalista, que exige do trabalhador a desistência “da sua tranquilidade, liberdade e felicidade”. Penso mais como Edward Bellamy que considera o trabalho um fardo que deve ser evitado mas… caso não possa ser evitado… deva ser ultrapassado na vida o mais cedo possível, de modo a que o máximo tempo de vida das pessoas possa ser desfrutado no lazer.
Foi assim, tendo em conta aquelas três dimensões já referidas anteriormente que eu escolhi o ensino. Não se trabalhava muito e recebia-se razoavelmente. Puro engano. Dar aulas não é complicado. É certo que os meninos se portam mal, mas se os meninos se portam mal a culpa é do professor que não sabe controlar o ambiente da sala de aula. Quem se queixa disto deixe de ser professor.
A complicação actual do professor está no preenchimento de questionários enormes de pergunta fechada e de pergunta aberta sobre as actividades curriculares, as actividades não curriculares, as actividades extra curriculares, se lemos os livrinhos recomendados no plano nacional de leitura e porquê, se não lemos e porquê…
Os questionários nascem diariamente pelas frinchas mais pequenas do Fax. Parecem baratas. Bem tento tapar todos os buracos da máquina com bostik mas o papel fura o emplastro.
Agora sou eu que estico o dedo ao nariz dos outros:
- Ser professor deixou de ser emprego, ouviu?. Passou a ser trabalho, ouviu?. Tenha cuidado. Só o aviso.
Seja como for, já estou de férias.
No seu escritório, Leonor fita os dossiers abertos ao longo de todo o armário. Tinham chegado ao fim. Ana vira as folhas pondo tudo de principio novamente para começar um novo ano que começará em Setembro.
- Por onde tens andado Ana?
- Eu tenho andado sempre por aqui. Sou uma pessoa de rotinas duras. Faço sempre tudo da mesma maneira sempre as mesmas horas.Quem quiser encontra-me sempre no mesmo lugar.
- Nunca mais te vi.
-Tu és assim, rsss. Easy come easy go.
Ana tinha aberto uma gaveta. Tinha começado a terapia das gavetas. Era bom descobrir coisas das quais já não se lembrava mais.
- Há quanto tempo não te sentas à janela, descansando os olhos no verde? – perguntou a Ana.
- Imenso.Parece que foi ontem. As coisas mudam à velocidade da luz. Em dez anos as coisas mudaram tanto…
- Arrependida?
- Não é arrependimento… é … é pensar que não deviam ter acontecido…
- Mas aconteceram.
- Que algumas coisas aconteceram sem eu esperar.
- A maior parte das vezes é assim.
- Que se não tivessem acontecido…
- Nada teria sido diferente.
- Porquê?- perguntou Leonor curiosa.
- Existem vários caminhos para chegares ao teu destino mas todos vão lá dar.
Ana coloca um cd no gravador. A música começa a tocar.
“Lord of the Ages came one night…”
- Há quanto tempo não ouves Magna Carta?- perguntou a Ana.
- Imenso.
Leonor abriu a janela e olhou para o jardim
- Não te preocupes. Estão outros a crescer..- disse a Ana - a natureza sabe o que faz.
Leonoreta
Toda a gente me diz que me preocupo demasiado com as coisas e que preciso de aprender a relaxar na vida. “as coisas valem o que valem”, dizem-me.
Pois realmente eu vejo as pessoas à minha volta muito relaxadas e para falar a verdade verdadinha eu até queria um temperamento desses para mim.
Como é que se atinge esse estado de perfeição?
Questiono-me se já nasceram assim com esse dom ou se o adquiram por aprendizagem… a ver outros que tais. Contudo, as pessoas que eu conheço e que conseguiram o desejado relax não me querem dizer como é que lá chegaram. E eu, sozinha não consigo atingi-lo.
De vez em quando, perante alguma insistência da minha parte, há um que me diz, para me despachar, “não te preocupes com coisas mesquinhas”.
Longe de me relaxar mergulho ainda mais fundo na tensão.
- E o que é uma coisa mesquinha? – quero saber.
- Uma coisa mesquinha é uma coisa que vale o que vale.
Sinto que o pensamento se me escapou. Que a voz se foi e entro num repetido imbróglio existencial.
Leonoreta
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