. Tenho rezado todos os dia...
- De que cor é a tua lingerie? – perguntou ele.
Ela ficou surpresa pela pergunta e sorrindo respondeu:
- É branca.
- É sempre branca?
- Não necessariamente. Às vezes é azul clara. Às vezes é creme. – ela baixou os olhos para brincar com o copo vazio, rodando-o sobre a mesa.
Ele ainda bebia o copo de leite e comia o bolo. Àquela hora da tarde ainda não tinha almoçado, dissera ele.
- De algodão? – ele engolira o último bocado de bolo.
- Porquê de algodão?
- Lembrei-me… vestes essas roupas meio hippies…
Era uma pastelaria um pouco antiga, familiar, meio escondida numa esquina entre duas ruas de um bairro ligeiramente movimentado. Ele acendeu um cigarro e alguém lhe pediu lume. Ela continuava a sua brincadeira com o copo mas agora olhava para ele.
- Dormes de pijama?- continuou ele ao mesmo tempo que expelia o fumo do cigarro.
- Eu o quê? – ela ria incrédula com as perguntas que ele lhe fazia.
Ele esperava pela resposta com um ar falsamente sério, cofiando a barba grisalha que lhe dava um ar tão sedutor. Ela demorava a resposta, divertida e envergonhada ao mesmo tempo.
- Estou a gostar muito de estar aqui a conversar contigo. – disse ele – mais do que da primeira vez.
Também ela estava a gostar. Tanto como da primeira vez.
Leonoreta
Desde sempre que vivo com um fantasma. Quando eu era pequena pensava que ele me queria apanhar e levar-me para o mundo dele. Andava sempre atrás de mim envolto naquele nevoeiro frio que me gelava os ossos por estar sempre tão perto. Eu dormia de luz acesa para não lhe perceber a sombra; de cabeça tapada para ele não me ver e de porta aberta para poder fugir se ele me agarrasse. De manhã, quando acordava, verificava se ele tinha mexido nas minhas bonecas.
Contudo, ele nunca me fez mal. Passados tantos anos ainda continua comigo. Já não anda sempre atrás de mim como antigamente mas nunca se afasta totalmente. A sua presença é mais constante quando se aproxima a noite e a sua névoa ainda me esfria o corpo. De manhã, quando acordo vejo que mexeu nos meus livros. Por vezes, deixa alguns caídos no tapete abertos nalgumas páginas a fim de me chamar a atenção para algumas palavras.
Hoje pouco dormi. Acordei a meio da noite e com ele vagueei de mãos dadas às escuras pelo quarto até de manhã. Nunca falamos mas eu sei o que ele pensa e o que espera de mim. Levei algum tempo para percebê-lo. Ele usa-me para escrever. Hoje quis que eu escrevesse sobre ele.
Leonoreta
Temos no cérebro uma estrutura subcortical situada no sistema límbico, no lobo temporal, chamada amígdala.
Por coincidência, esta estrutura tem o mesmo nome de outras estruturas, de forma arredondada, localizadas na garganta que, acredita-se, sirvam para ajudar a evitar infecções.
A outra amígdala, a do cérebro, tem uma função diferente. Ela analisa automaticamente os perigos de uma situação e alerta-nos para esses perigos a fim de darmos uma resposta airosa.
Vou dar um exemplo: entro no metro. Está apinhado de gente. Pessoas comprimidas umas contra as outras. Odores nojentos dos sovacos empestam o ar que se respira.
De repente, entra um leão fugido do jardim zoológico. A amígdala daquelas pessoas age rapidamente e numa corrida precipitada largam as carruagens em direcção à saída mais próxima. Atropelam-se pois! Mas isso que importa? Já se atropelavam antes de haver algum leão que as ameaçasse.
Porém, a minha amígdala, perante tal situação, quer alertar-me mas tem alguma dificuldade em fazer-me sair de um estado de apatia forçada devido ao congestionamento físico a que fui sujeita. Apesar de tudo lá consegue pôr-me a pensar nos quatro EFES teorizados pelos neurologistas ingleses.
Fujo? (Flight)
Não consigo. Estou petrificada (Freeze)
Luto? (Fight) Sim, claro. Se para fugir é demasiado tarde, então luto com o leão. Afinal eu tenho um curso de domadora de leões: calma, que o bicho é manso, penso eu.
Vejo o leão avançar na minha direcção. Arregalo os olhos. Um som fininho, contínuo, invade os meus ouvidos. Desmaio (Faint).
Acordo no hospital. Não tenho ferimentos. O leão não me quis pelo cheiro nauseabundo da minha roupa por andar em transportes públicos às cinco da tarde.
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