Há muito tempo que não escrevo sobre a escola. O motivo procuro agora para explicar a premissa anterior. A mudança brusca que se tem verificado no sistema de ensino apanhou integralmente o meu espírito às adaptações exigidas pelo ministério da educação a afastou-me daquilo que realmente gosto de fazer: dar a aula.
Deitei as preocupações do não saber fazer segundo a alínea do artigo tal do despacho não sei quantos que, decerto me atrasará no progresso da carreira e recomecei a dar a aula. A inventar novas maneiras de dar a conhecer o lobo mau e, à conta dele, do lobo mau, dou a letra B, faço revisões da letra L, no ditongo AU em português; agrupamos em dezenas as telhas que o lobo fez voar da casa de um dos porquinhos e verificamos que os pelos do lobo não são escamas nem são penas em estudo do meio.
Depois fazemos um desenho. Toca. Todos arrumamos as coisas. Mas não vamos para casa. Eu vou fazer super visão de actividades extra curriculares e eles vão para essas actividades. Ainda assim eu saio mais cedo do que eles. Depois de cinco horas de aulas, hora e meia de actividades, os miúdos ainda têm que estar no ATL. Ao todo, muitos passam onze horas na escola.
Às cinco e meia finjo que arrumo a escola na gaveta até ao dia seguinte. Sigo em direcção ao portão.
- Vais-te embora professora? – pergunta-me a Rafaela, uma miúda pequenina, linda de olhos verdes que fez seis anos em Novembro e que não quer aprender as letras pelos livros mas que não se importa de brincar com cartõezinhos quadrados coloridos onde . eu desenho sílabas para ela juntar.Ainda não percebeu que a enganei e que sem ela querer já aprendeu a ler.
- Vou Rafaela. Até amanhã.
Fecho o portão alto atrás de mim. Ela ainda me acompanha uns metros do lado de dentro das grades da escola. A escola parece uma prisão.
Leonoreta
Numa daquelas vezes em que me sento numa esplanada na praia a contemplar o mar vejo-me a pensar que o tempo encrua o meu modo de ser e que as únicas coisas que dou como certas no universo são as idas e vindas das marés e as gaivotas que picam o mar em busca de peixe.
O resto, nomeadamente, o cumprimento dos habituais frequentadores da mesma esplanada àquelas horas da manhã em que quase todos ainda dormem, a conversa acesa de outros que por ali nunca passaram mas que querem dar palpites na melhor maneira de consertar o mundo, não dou como certo.
O tema de hoje são as pessoas que se cruzam comigo por umas horas, por uns dias, por uma vida. Há pessoas que eu nunca ouvi falar até um dia. Nesse dia chegaram e fizeram-me infeliz. Algumas desapareceram e a lembrança delas faz-me infeliz. Outras continuam a fazer-me infeliz.. Há pessoas que eu nunca ouvi falar até um dia e fizeram-me feliz. Algumas desapareceram e a lembrança delas faz-me feliz. Que pessoas são estas que aparecem e desaparecem tão pouco tempo e mudam tanto a minha vida?
Leonoreta