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Sexta-feira, 9 de Novembro de 2007

O terceiro porquinho

(este artigo já foi escrito o ano passado, tratando-se de um trabalho de ´pos graduação)

 

A propósito de uma cadeira de psicologia, comecei a ler o livro Inteligência Social, de Daniel Goleman,  como geralmente leio todos os livros que não são considerados romances ou contos e que, pela habitual apresentação da acção,  nos obrigam a uma leitura linear, do principio ao fim, respeitando a cronologia do acontecimento.
 
Precisava de fazer uma apresentação oral sobre um dos capítulos, e assim, olhei para o índíce, começando a minha leitura pelos títulos que me despertavam mais interesse. Curiosamente foi logo  o capítulo 2  da primeira parte, intitulado “Receita para uma relação” que determinou a minha escolha. Entre duas viagens de comboio e quatro de barco, aproveitando o tempo morto dos transportes que me levam e trazem do emprego, eu li toda essa parte e escolhido, definitivamente, o tema que orientaria a minha apresentação, com a preocupação de  entrelaçá-la com algum aspecto da minha experiência pessoal, tal como fora exigido pelo professor da cadeira.
 
O fio orientador da parte referida tem por base o processo da  sincronia. O autor define a sincronia como  um sentido natural do ritmo, uma noção do tempo exacto que faz com que duas pessoas ou um grupo entre numa equivalência emocional sentindo toda a emoção do outro, e percebendo de antemão o sentido do discurso do outro. Quando emissor e receptor estão em sincronia a mensagem torna-se clara e prazenteira. (pág. 52 a 56). Por outras palavras, o emissor consegue através da emoção transmitida na sua mensagem estabelecer um contágio com o receptor fazendo com que o seu sentimento seja sentido por quem está a ouvi-lo, de tal modo que, também o receptor continua ou dá ênfase à mensagem como se os dois, emissor e receptor entrassem numa dança.
 
            Geralmente, experimento sempre o que Daniel Goleman entende por sincronia sempre que conto uma história aos meus alunos e recentemente passei por uma situação engraçada.
Sou professora do 1º ciclo. Este ano tenho uma turma do 3º ano de um bairro social muito carenciado com uma história de mau comportamento que as acompanha desde o 1º ano. De facto, os alunos são mal comportados e eu própria deparei-me com um enorme problema de indisciplina no primeiro mês de trabalho.
 
Levei algum tempo a perceber a estratégia certa para os trazer mais calmos até que a achei. Eles continuam um caso muito sério de comportamento na escola, entre si no recreio, e nas actividades extracurriculares com os outros professores, mas comigo não.
 
Já fui questionada pelas estratégias usadas com eles. Eu não faço nada de especial.  Simplesmente conto-lhes histórias e transporto-os para um universo que eles não têm.  Mesmo quando estou a dar as áreas curriculares como a Língua Portuguesa, a Matemática e o Estudo do Meio entrelaço tudo numa história. E tudo corre sobre rodas,   tanto  para eles como para mim.
 
Penso que ao planificar as aulas como sendo uma história, arranjei  metade da receita para uma relação. A matéria dos livros tem pontos aborrecidos pelos quais sei que sou perdoada na medida em que os meus alunos já perceberam que eu não sou a dona das leis e se me mandam ensinar adjectivos e números primos, eles só terão de os aprender. Mas depois tudo é compensado a cem por cento na hora do conto.
 
Há livros em que o texto, embora avançando na acção, se repete enfantizando determinado aspecto. A primeira vez é minha, dita de tal modo, que a segunda vez e restantes são dos alunos, percebendo-se logo no ritmo emprestado do corpo e das expressões faciais deles, a imitação da fala, do movimento e da emoção. Os espelhos neurais estabelecem a sincronia entre mim e os meus alunos.
 
            O episódio que eu quero contar prende-se com a história dos três porquinhos. Alguns alunos levam livros deles para serem lidos na aula. E uma vez uma aluna traz-me “Os três porquinhos”.
- Mas tu já conheces esta história. – disse eu.
- Sim. Mas eu quero que tu a leias. – disse ela
 
Lembrei-me imediatamente que tinha em casa uma luva que  contava a história dos três porquinhos e que,  curiosamente, nunca a tinha utilizado. A luva tinha nos cinco dedos o lobo, os três porquinhos e a casinha. Até ao segundo porquinho o relato do conto decorreu normalmente até chegar ao terceiro porquinho que coincidia com o dedo médio. De repente fui apanhada de surpresa pelo gesto obsceno e, por momentos, fiquei sem saber o que fazer, sentindo algum embaraço. Do mesmo modo os alunos fecharam-se num silêncio atroz acompanhando-me no espanto.
Baixei a mão e preguei os olhos no chão. E de repente uma aluna levanta-se da cadeira, chega ao pé de mim e diz-me, querendo salvar-me da situação incómoda.
 - Professora, a culpa é do terceiro porquinho.
Leonoreta

publicado por leonoreta às 21:19

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5 comentários:
De António a 10 de Novembro de 2007 às 14:14
Querida Leonor!
Um história pescada nos mares em que tu nadas.
As crianças são (quasi) sempre surpreendentes.
Mas, ao ler a parte inicial do texto, não pude deixar de pensar em tantas pessoas que conheci/conheço, ou pessoalmente ou da TV, e que tem o dom da comunicação mesmo sem saberem o que é sincronia ou terem estudado fosse o que fosse relacionado com a empatia criada através da oralidade com outro(s).
E tu tens de nos contar mais histórias, dos 3 porquinhos ou dos 7 anões.

Beijinhos


De almapater a 10 de Novembro de 2007 às 17:19
Notável. Notável no corpo que se projecta, nas mãos que se agitam, ou somente no pestanejar lento, quando os olhos se fitam no horizonte. Notável ainda quando o falar é mesmo só o silêncio.
Notável, quando se podem cruzar rios sobre um arame sem rede, sabendo que há uma mão que se estende ao menor sobressalto.
Abençoada mãozinha.


De Daniel Aladiah a 10 de Novembro de 2007 às 21:31
Querida Leonor
Realmente és uma excelente contadora de histórias. Não consegues ouvir, mas quem te lê sempre aplaude!
Um beijo
Daniel


De pedro alex a 13 de Novembro de 2007 às 18:56
Realemente Leonor, o manufacturante bem que podia colocar o lobo no dedo médio.
Oh, o mais importante é mesmo a sincronia, que é miles de bom porque eu chamava-lhe sintonia.
Deve ser do dito "tás na onda?"
Deixa lá Leonor é bom sincronozar-te.
Bj


De alexiaa a 19 de Novembro de 2007 às 21:10
Não ando muito em transportes públicos mas quando o faço fico de tal forma fascinada com o movimento das pessoas e as conversas alheias que qualquer tentativa de concentração numa leitura seria despropositada:).
Bem, não há duvida que como emissora fazes aqui a receptora sentir a dita sincronia apesar de não ter “absorvido” o teu embaraço quando te deparaste com o dedito maroto espetado…é que não o percebi:))).
E vitória vitória…acabou-se a história! ( oiço isto vezes sem conta mas nunca entendi o significado para alem da rima)
Bjinhos


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