Comprei uma bicicleta. Devia ter comprado uma lambreta eu sei. Mas se eu fechar o E de bicicleta com um acento circunflexo (biciclêta) também rima com Leonoreta.
A minha bicicleta é linda. Rosa claro fluorescente. Quando a vi foi amor à primeira vista.
- Leonor…olha, tu não andas de bicicleta há muito tempo…
- Vinte anos. – Confirmei eu.
- De modo que as coisas, nomeadamente a tecnologia ciclista, evoluíram muito desde essa altura.
- Sim. – Mostrava-me atenta.
- Há vinte anos a tua bicicleta só tinha duas rodas e um volante…
- E uma campainha. – Disse eu com ar de troça.
- … e agora tem mudanças e tal que precisas de conjugar conforme se a estrada é a subir, a descer ou plana. - O meu interlocutor igonorou o meu sorriso sarcástico.
Palavra de Honra! Eu sei andar de bicicleta mas lá deixei o meu interlocutor explicar-me como funcionavam as mudanças. Ele há cada um.
- Leonor…
- Sim.
- Ouve com atenção porque isto é muito importante.
- Sim.
- Nunca uses o travão da frente. Se tiveres de travar usa o de trás que funciona aqui com a mão direita. Não uses o da esquerda.
- Então porquê? – desde criança que sou curiosa e gosto que me expliquem as coisas.
- Porque a bicicleta trava de repente e tu és projectada para alguns metros à frente.
- Cinco? Vinte? Cinquenta? – Imaginei-me a voar por cima do volante da bicicleta e até dei duas gargalhadas.
Como em metodologias sociológicas, nada melhor para testar uma hipótese do que fazer observação participante, in locco. O percurso foi de Almada à Costa da Caparica. Vinte e dois kilómetros. Onze, para lá, praticamente a descer, onde deu para experimentar as mudanças mais pesadas e onze no sentido inverso, sempre a subir, onde deu para experimentar as mudanças mais leves.
Quando chego à Costa flauteio pelo paredão, cruzando-me com outros ciclistas de fim de semana, maçaricos como eu. Vejo o mar e os mais afoitos a mergulharem, às oito da manhã nas águas geladas da Caparica. Bebo um café no barzinho da dona Sabina que conhece toda a gente, inclusivé a mim... faço mais uma tentativa de subir para a bicicleta à militante da resistência francesa: pé esquerdo no pedal, pé direito ao lado do esquerdo e opsss! Mesmo antes de alçar a perna direita já perdi o equilíbrio. Ainda não é desta que consigo imitar a minha heroína que levava sempre a melhor do fuhrer alemão: Mademoiselle X.
Começo o percurso para casa. É difícil. Sempre que mudo de mudança a bicicleta passa-se dos carretos e fico a pedalar no ar, fazendo bailados à Charlot. Por duas vezes, nas subidas mais íngremes, levei a bicicleta a pé. Estou cada vez mais perto de casa. Faltam apenas cinquenta metros. Vou confiante. Saio da estrada e entro no passeio.
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Encontro-me estatelada no meio do chão. Levantei-me com o corpo a doer e com a alma a sangrar... de orgulho ferido. Entrei obliqua no passeio, o pneu resvalou, a bicicleta inclinou-se e eu fui pelo ar.
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- Leonor… esqueci-me de dizer-te mas além do travão da esquerda também há o problema de entrares nos passeios de lado…
- Sim. Essa já sei. - E afastei-me toda empenada.
Leonoreta