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Sexta-feira, 28 de Novembro de 2008

Aprender uma língua

 

 
Começamos  o dia com Matemática.
Dois quadrados de cartolina verde para dividir ao meio: quatro triângulos equiláteros.
Os alunos montaram uma árvore de natal sobrepondo os triângulos na vertical numa folha de papel cavalinho.
 
A instrução no quadro dizia:
agora decorem a árvore com:
- meia dúzia de pinhas
- uma dúzia de bolinhas
- meia dezena de presentes
- uma dezena de sinos
 
Nichita, que integrou a turma em Abril, vindo directamente da Moldávia sem saber uma palavra de português lá vai na aprendizagem da sua segunda língua de vento em popa.
Diariamente faz perguntas num sotaque romeno acentuadíssimo:
- Professora – perguntou hoje – o que é pinhas?
 
Desenhei um pinheiro – nunca desenhei tanto na vida – e, no meu traço desajeitado para o desenho, fiz algumas pinhas.
 
A Bruna lembrou-se que os campos da escola tinham pinhas e foi buscar uma para o Nichita ver.
 
Acabamos o dia com Língua Portuguesa.
“o gato tem medo do pato. O pato tem medo do gato. O rato tem medo do rato e o pardal não tem medo de ninguém” (mas quem é que escreve estas coisas para os miúdos?)
 
- Professora, o que é pardal? – perguntou o Nichita.
- É um pássaro. - respondi-lhe eu.
 
“Olha, queres ver que ainda temos de ir lá fora procurar um pardal?” - comentou o David mais ou menos em voz baixa.
 
Leonoreta

publicado por leonoreta às 20:11

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Sexta-feira, 17 de Outubro de 2008

Ralhar não dói

 

Ensino as vogais, as consoantes, os ditongos, as unidades, as dezenas e as centenas, o “e vai um”, o corpo humano.
E penso… como é que eu aprendi isto tudo? Quero dizer… que método usou a minha professora para me ensinar essas coisas? Porque nessa altura ainda não se falava no lúdico. A didáctica era feita basicamente a reguadas. Estas não eram anti pedagógicas e quem as levou parece exibir uma espécie de orgulho por tê-las levado. Não ficou trauma.
 
Em quatro anos de escola primária levei uma reguada. Injustamente. Deixei cair um lápis a meio de uma explicação da professora.
 
A régua tinha usos muito abrangentes. Além de controlar comportamentos desviantes, de distinguir classes sociais, era também o “apoio educativo” e o “ensino especial”para dificuldades de aprendizagem.
 
Ainda bem que a régua desapareceu dos estabelecimentos escolares pelo seu uso indevido.
 
Contudo, verificando-se actualmente que houve um salto da indisciplina para a violência na escola, que afecta bastante a relação pedagógica, algo mais será preciso que o simples sermão porque ralhar não dói.

publicado por leonoreta às 19:09

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Sexta-feira, 19 de Setembro de 2008

Pela primeira vez

 

Pela primeira vez comecei um ano lectivo na mesma escola com os mesmos alunos e com a maior parte dos colegas do ano anterior.
E há, sem dúvida, uma diferença muito grande.
Este ano não sonhei com portas sem número, medo consciente de me perder nos caminhos para chegar à nova escola. Não tive de descobrir transportes e adaptar-me a novos horários de saída e entrada em casa.
Não tive de me apresentar a novas colegas e descobrir que temperamentos teria pela frente. E sobretudo não tive de despedir-me. Não que não goste de conhecer pessoas mas há um desgaste emocional nas apresentações e nas despedidas.
Agora há um trabalho continuado, material e afectivo. Todos conhecem os   tempos e os espaços.uns dos outros. E tudo corre bem.
 
Leonoreta

publicado por leonoreta às 19:44

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Sexta-feira, 13 de Junho de 2008

Agora ficas tu

 

Quando eu me demoro a chegar à sala depois do intervalo há sempre alguém a vigiar a porta, uns metros mais à frente, para que os outros escrevam tudo o que quiserem no quadro e a professora não ver.
 
Depois, quando o vigia me vê a aproximar corre para que os colegas tenham tempo de apagar o quadro.
 
E desta vez a escolha recaiu no Nichita. Nichita já fala bem. Já diz “eu percebo”. Já diz “posso distribuir?” (os trabalhos feitos ao longo da semana que precisam de ser arrumados no dossier). Já diz “posso ir eu?” (quando eu peço um voluntário para ir ao quadro.
 
Mas Nichita distrai-se e quando me vê quase em cima dele tem um susto que não consegue disfarçar. Corre à minha frente a gritar “PROFESSORA, PROFESSORA”.
 
Não escrever no quadro na minha ausência é uma regra de sala de aula a fim de evitar conflitos pela posse do giz e do espaço da ardósia.
Antes de eu entrar na sala, entro na casa de banho e conto até trinta. Quando entro na sala, o quadro está limpo, está tudo sentado em silêncio.
 
Olho para o quadro. Olho para eles.
 
- Será que apaguei o quadro antes do intervalo? – pergunto “espantada” porque fica sempre matéria escrita.
 
Ninguém responde. Entreolham-se comprometidos à espera do que virá depois.
 
- Bom! Se calhar apaguei. Filipe começa a ler o texto.
 
E todos abrem o livro aliviados de uma possível punição.
 
No contexto de sala de aula não há receitas para controlar comportamentos indisciplinados mas uma coisa o tempo me ensinou: o castigo só os agrava.

 

 

Leonoreta


publicado por leonoreta às 20:20

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Sexta-feira, 23 de Maio de 2008

O Estrangeiro

 

Nichita ingressou na turma há um mês.
Três dias antes chegou um fax à escola a informar que eu iria receber um menino moldavo.
Estamos no 3º período mas isso não interessa. Escola começa em qualquer dia.. Stephany é brasileira. Chegou no meio do 2º período e ela lá vai contente, apanhando os outros.
Falei com a turma. Vinha aí um colega novo. Estrangeiro. Tínhamos de ter todos muita amizade para dar e muitas palavras para ensinar.
De repente percebi que eu não sabia onde ficava a Moldávia. O Google mostrou-me onde era. A língua é o  Romeno, uma das línguas latinas.
Como ensinar-lhe português? Como ensino inglês a um português. Mas quando o português não entende a língua estrangeira recorro à língua materna.
Quis um dicionário de romeno. Mais uma vez descobri-o na Internet. Com som e tudo.
Três dias depois o Nichita entra na sala acompanhado dos pais. O pai arranha português. A mãe fala comigo em francês, inglês e italiano. A minha veia portuguesa permite entender qualquer cidadão do mundo.
Começamos pelo i. Rapidamente avanço para o u. Descubro que ele percebe o ditongo: iu. Junto o p e ele lê piu.
Paro.
Escrevo pa, pe, pi, po, pu. Ele lê.
Junto pa com to. Ele lê.
Ai que maravilha! Ele sabe ler. Mas… não atribui significados ao que lê.
Nunca desenhei tanto na minha vida para ensinar conceitos como dentro, fora, sobe, desce…Por vezes ele encolhe os ombros. Não percebe. Contudo, nunca desistimos.
Sentei-o na carteira da frente perto de mim, ao lado da Stephany. Ela, nas suas dificuldades, ajuda-o.
Desenhei-lhe um rectângulo no caderno. Escrevi por baixo o nome dele e disse: desenha o Nichita. Stephany diz-lhe. É você. Desenha você.
Um dia, num dos meus intervalos passados na sala chego-me à janela para observar os miúdos que jogavam à bola. Alguns vêem-me e saúdam-me.
Nichita que brinca com eles diz-me adeus e ri-se. Está contente na escola.
O tempo é um grande mestre. É nosso amigo também.
 
 
 

Leonoreta


publicado por leonoreta às 20:23

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Quinta-feira, 6 de Março de 2008

Foi sem querer

Quando escrevo TPC no quadro de ardósia preta anuncio também o fim da aula. Ou quase o fim da aula pois os últimos quinze minutos são dedicados ao desenho livre.

 

O desenho livre para os alunos do 1º ano do 1º ciclo é uma espécie de grito à liberdade. Não gostam de ter um tema e já descobri porquê: no desenho livre desenham o que sabem como sabem. No tema sugerido pela professora ocorre a frustração de não saber desenhar o que se pede tal como a coisa é. Dou uma ajuda no quadro, dizendo que não sei desenhar. É verdade. Eles animam-me: está giro. E copiam.

 

Em compensação, os alunos do 3º já não gostam muito do desenho livre. Será porque o conhecimento da escrita vai substituindo, aos poucos, a expressão iconográfica, a única possível quando não se sabe escrever?

 

Fazer desenho significa que começou a feira. Na hora dedicada à expressão plástica os alunos ficam mais descontraídos e trocam entre si impressões, algumas vezes acerca do trabalho que estão a fazer, mas outras vezes falam de assuntos de casa. Mesmo que a professora diga que se deve falar baixo, acaba sempre por se instalar alguma balbúrdia. Fazer desenho é também a altura de trocar afectos através do empréstimo de canetas e lápis. O cor de pele é o mais cobiçado. Apesar de todos possuírem canetas, as do vizinho são sempre mais bonitas e pintam sempre melhor.

 

Durante a elaboração de um desenho, o Francisco e a Maria, divertiam-se a juntar sílabas.

- Mala, mela, mila, mola mula. – disse a Maria

- Mila é o nome da minha mãe. – disse o Francisco. – Agora sou eu. Fala, fela, fila, fola, fula,

- Pata, peta, pita, pota, puta. – tomando consciencia do que disse a Maria põe a mão na boca aflita.

 

Eu escrevia os sumários mas estava a ver e a ouvir tudo. Fingi que não ouvi mas senti o olhar da Maria na minha direcção. Logo depois era ela que estava junto de mim com os olhos rasos de lágrimas.

- O que foi? – perguntei-lhe, continuando a escrever no Livro de Ponto.

- Professora… eu estava a brincar com o Francisco às sílabas e disse uma asneira sem querer.

- Que asneira? – desta vez olhei para ela.

 

E a Maria repetiu a asneira muito baixinho em que se percebia só o movimento dos lábios.

- Maria, foi sem querer. Estás a aprender a escrever as palavras. Ainda vais conhecer mais. Há palavras boas e más. Depois também aprendes a separá-las. Agora vai arrumar.

 

 

Leonoreta


publicado por leonoreta às 21:46

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Sexta-feira, 28 de Setembro de 2007

A magia de uma colher de pau

Professora anos a fio de 3º anos, salvo uma excepção em que, na mesma turma de um 3º ano havia cinco elementos do 1º, vi-me este ano lectivo a braços com vinte miúdos prontinhos a começar a escola.
 
Embora as mesas sejam mais baixas e as cadeiras mais pequenas, as pernas de alguns ainda não chegam ao chão. Oh como é  difícil escrever  vogais direitinhas e do mesmo tamanho nas folhas de um caderno que teima em não se manter aberto tão diferente da folha branca A4 que não tem margens e linhas para obedecer.
 
Mais tarde, anos depois, no fim da escola primária, a parte do caderno que teimava em fechar é presa de forma insolente com o cotovelo enquanto a mão segura a cabeça que já conhece a forma das letras de cor.
 
Muitos não frequentaram o jardim de infância, que sorte a deles ainda terem avós, e, passando tantas horas na escola, pensam que são votados ao abandono. O Bruno, mal entrou na sala, no primeiro dia chorava que nem um perdido. Tive de me colocar de cócoras para que os meus olhos ficassem à altura dos dele.

- Quero a mãe, dizia ele.
- Oh Bruno! A  mãe não pode vir agora, está a trabalhar. -  E contei-lhe a história de um patrão malvado que despedia a mãe se ela fosse lá buscá-lo. Os outros ouviam atentos. Tudo o que seja história é bem vindo.

E o Bruno sentou-se. E trabalhou.
No dia seguinte houve novo choro. Perante o “quero a mãe” repeti a história do patrão malvado. Todavia,  devo ter-me esquecido de algum ingrediente mágico porque o Bruno, pouco convencido da maldade do patrão da mãe, veio várias vezes ao pé de mim repetir o pedido: “quero a mãe”.

Sentei-o e perguntei à turma se sabia o que era uma varinha de condão. Lembrei-me do Duarte, quando estive em Chelas: “Uma varinha de condão serve para fazer nascer coisas” disse ele.

- Eu vou arranjar uma varinha de condão e quando o Bruno quiser a mãe, eu “PIM” e a mãe aparece. A turma ria e o Bruno também.
 
De manhã traz a bola na mão e os livros na mochila. À tarde, mete a bola na mochila e vem-me dizer que os livros não cabem. Arrumamos os livros na mochila e colocamos a bola num saco de plástico. Ainda chora pela mãe e eu pego na varinha, colher de pau forrada com papel metalizado dourado e estrela na ponta e tento várias vezes a magia, revelando humildemente a minha falta de jeito para ser fada.
 
- Tu queres ver que são as pilhas Bruno!
 
Ele ri-se e pára de chorar. Mas é na cumplicidade de arrumar a mochila e ter sacos de plástico de reserva para ele guardar a bola que eu vou conseguindo que ele vá gostando de estar na escola. E de mim.
 
 
Leonoreta
 

publicado por leonoreta às 21:24

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