Ana estava deitada a todo o comprimento do sofá de barriga para cima e de perna traçada. Segura um livro com ambas as mãos à altura dos olhos. Num primeiro contacto com o livro fazia uma leitura na diagonal, demorando-se um pouco mais nos primeiros parágrafos deste ou daquele capítulo cujos títulos se mostravam mais sugestivos.
Leonor, alma inquieta, ziriquitava por ali querendo conversa.
- Estou a lembrar-me de uma parábola… aquela do mestre e do discípulo em que o discípulo não ata o cavalo e o cavalo foge… sabes qual é? – pergunta Leonor.
- Não. – responde a Ana, continuando a sua leitura.
- Sabes sim! … Aquela em que o discípulo deixa o cavalo sozinho e o mestre diz-lhe “tinhas que o ter atado”… esqueci-me… não sabes?
- Não.
- Eu sabia… agora já não me lembro muito bem, mas havia um mestre e um discípulo que tinha um cavalo que o deixou fugir porque não o atou durante a noite… bom, isto para concluir que…- as parábolas têm uma moral não é? - existem entidades superiores que te ajudam mas que só podem ajudar-te se fizeres metade do serviço porque lá na dimensão onde elas existem não podem fazer laços para o cavalo não fugir ou preencher o totoloto para ganhares o totoloto. Percebes?
Ana já sabia que muitas das perguntas da Leonor eram retóricas e por isso não respondeu. Ela tinha o costume de falar alto para arrumar ideias soltas. Era uma espécie de arrumar livros na estante pelas grossuras da lombada.
- … daí que o discípulo tinha que ter atado o cavalo para que deus não permitisse que ele fugisse. Já te lembras ? – continuou Leonor.
- Não. – Ana passava agora os olhos pelo índice remissivo.
Leonoreta
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